2.º Encontro Nacional de Investigação Clínica & Inovação Biomédica

Para assinalar o Dia Internacional dos Ensaios Clínicos, realizou-se, no passado dia 23 de maio, o 2.º Encontro Nacional de Investigação Clínica & Inovação Biomédica, organizado pela AICIB, em parceria com a APIFARMA, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, o Health Cluster Portugal, o INFARMED e a PtCRIN. A conferência decorreu no Auditório da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra – Pólo III.

Catarina Resende de Oliveira, presidente da direção da AICIB, deu início à sessão de abertura afirmando que “a saúde é um fator chave para a estabilidade social e económica do país e deve ser olhado como um investimento e não como um custo, embora esteja associada a gastos crescentes perante recursos finitos”.  A mesma ideia foi reiterada por Carlos Robalo Cordeiro, Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, apelando “a que se olhe para o investimento na Investigação Biomédica como uma prioridade em Portugal”.

Seguiu-se a sessão inaugural com o tema “Investigação Clínica e Inovação Biomédica”, moderada por Fernando Araújo, Diretor Executivo do SNS, e com as intervenções de Raúl Marques Pereira, da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE e de João Massano, do Centro Hospitalar Universitário de São João. Fernando Araújo afirmou que a Direção Executiva do SNS vê a inovação de uma forma prioritária, identificando-a como uma área estratégica de sustentabilidade para o futuro. Destaca que os sistemas mais evoluídos apostam na investigação como uma arma. Raúl Marques referiu que nos cuidados primários ainda se encara a investigação clínica como mais uma coisa para fazer, declarando que na sua perspetiva essa é a grande mudança que tem de acontecer. Acrescentou ainda que a investigação clínica é a maior arma para prestar melhores cuidados e também mais simples, reiterando a importância de ter conhecimento sobre as necessidades da população. Ressalvou igualmente a relevância de integrar a academia com os cuidados primários. João Massano identificou algumas características especiais de Portugal como é caso da mão de obra muito qualificada, alguns défices de infraestruturas, parceiros com vontade de trazer ensaios clínicos para Portugal e ainda uma notória vontade dos doentes para participar em ensaios clínicos. Destacou também o facto de ser necessário tomar medidas urgentes, uma vez que, com a entrada em vigor do novo regulamento, a competitividade que se fazia sentir ainda é maior.

Em resposta a Fernando Araújo, Raúl Marques identificou os principais obstáculos enfrentados na condução da investigação clínica. Um dos desafios mencionados foi a necessidade de estabelecer uma ligação eficiente entre os cuidados primários e hospitalares, a fim de facilitar o fluxo de doentes entre estes dois setores. Além disso, destacou a dificuldade na relação com os centros académicos e universidades, de onde provém grande parte da investigação. No que diz respeito ao tempo dedicado à investigação clínica, salientou a importância de proporcionar aos profissionais um período dedicado exclusivamente a essa atividade, visando promover avanços significativos nesse campo.

No decorrer da discussão, João Massano sugeriu a criação de um programa de impulso para os Ensaios Clínicos em Portugal, não esquecendo que, para isso, será essencial capacitar os centros com os recursos necessários.

Surgiu ainda o tema dos dispositivos médicos, sobre o qual João Massano afirmou existir alguma relutância em aceitar ensaios clínicos de Dispositivos Médicos, por serem menos abrangentes que a farmacoterapia.

Retomando a discussão sobre os cuidados primários, Raúl Marques destacou a sua importância como um mecanismo de deteção precoce de patologias, antes mesmo da sua manifestação. Sublinhou ser crucial identificar o perfil de risco dos doentes, tornando a medicina preventiva e preditiva numa estratégia fundamental na investigação em cuidados primários.

Referindo-se ao ambiente hospitalar, João Massano realçou a importância de ter uma maior autonomia na contratação de recursos humanos para realizar investigação clínica. Essa questão também foi mencionada por Raúl Marques como um desafio nos cuidados primários de saúde, onde é necessária uma entidade clínica prática para que os médicos possam conduzir estudos clínicos nessas unidades.

“Investigação Clínica – Desafios e Oportunidades” foi o tema da 1.ª Sessão, moderada por Leonor Nogueira.

A sessão iniciou-se com a apresentação “Dinamizar os ensaios clínicos da iniciativa do investigador” de Denis Lacombe, da EORTC.

O orador apresentou os desafios dos estudos da iniciativa do investigador, nomeadamente, a fragmentação do financiamento, especialmente nos ensaios internacionais. O próprio desenho do estudo é complexo e desafiante, podendo o recrutamento ser um problema, dado serem estudos de grandes dimensões, cancros raros e de longo acompanhamento. Adicionalmente, apontou a necessidade de adição de algumas estratégias, entre elas uma abordagem de investigação clínica orientada para a saúde pública, uma sincronização de prioridades nacionais e, ainda, a atenção para a multidisciplinaridade, referindo que o futuro é combinatório.

Seguiu-se José Dinis, do IPO do Porto, com o tema “Capacitar os centros de investigação clínica nos hospitais”. Na sua apresentação começou por afirmar que a maior dificuldade para arrancar com a investigação clínica está nos hospitais, pois estes não estão capacitados. É necessário identificar as doenças predominantes na população e dar formação aos investigadores, promovendo uma equipa bem treinada para a condução dos ensaios. Defendeu ainda que estas iniciativas têm de partir dos hospitais, os quais devem ter uma estratégia bem definida.

Vanessa Ferreira, da Humanized Solutions, apresentou o tema “Envolver os doentes nos estudos clínicos”. Ao longo da sua apresentação revelou de que forma a Humanized Solutions ajuda os diferentes stakeholders a incluir a voz dos doentes em todas as fases de desenvolvimento, estabelecendo uma relação de longo prazo. Na sua apresentação incluiu o roadmap “Participação dos doentes na I&D de medicamentos”, reforçando a importância do envolvimento dos doentes desde as fases precoces da investigação.

A “Inovação Biomédica ao serviço da Medicina do Futuro” foi o tema da sessão 2 do evento, moderada por Joaquim Cunha, do Health Cluster Portugal.

A sessão iniciou-se com a apresentação de Silvia Garcia da ANI – Agência Nacional de Inovação – sobre “A inovação em saúde em tempos de pandemia”. Na sua exposição, Silvia Garcia, começou por com uma breve contextualização sobre a inteligência artificial e o material genético. A oradora apresentou-alguns dos projetos desenvolvidos durante a pandemia, incluindo um inovador teste ao SARS-Cov-2 que apresentava resultados em menos de 30 minutos, uma velocidade significativamente mais rápida do que o teste PCR tradicional.

Em seguida, foi a vez de Anne Geubelle, da Prológica, apresentar o tema “O valor em saúde e a importância da inovação biomédica”. A definição de valor em saúde traz consigo duas preocupações emergentes: custos acessíveis e melhoria dos outcomes para os doentes. Este conceito exige uma reorganização dos cuidados de saúde em torno das condições clínicas, em vez de se concentrar apenas na especialidade. Anne Geubelle acrescentou ainda que atualmente enfrentamos três crises: a crise de valor, a crise de evidências e a crise do nível de stress dos profissionais de saúde. Para dar resposta a estas crises foi criado um framework de valor em saúde. Este framework de Real World Evidence permite que as organizações de saúde utilizem dados do mundo real para tomar decisões, aprimorar medicação e a avaliação, promover a melhoria e a inovação contínuas e, por fim, oferecer cuidados de maior valor aos doentes. Concluindo, a combinação destas estruturas permite um sistema de saúde centrado no doente, baseado em evidências e num sistema de saúde sustentável.

Em seguida, Sara Fernandes da SPMS fez a sua apresentação sobre “A digitalização de dados clínicos e o seu suporte à investigação clínica e à inovação biomédica”. Começou por apresentar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) da SPMS para a digitalização da saúde que assenta em quatro grandes pilares principais: infraestruturas, cidadão, profissional de saúde e dados em saúde. Sara Fernandes revelou que o grande projeto do PRR é a implementação de um registo eletrónico de saúde único, que reunirá todos os dados de saúde de um doente ao longo da sua vida, acessíveis a qualquer médico em qualquer hospital, mediante autorização do utente. Dentro da plataforma Myhealth@EU, estão a desenvolver um datalake no qual poderão armazenar os dados secundários em saúde para que possam ser utilizados em investigação médica.

Cyril Martins, da APORMED, encerrou a sessão abordando o tema “Dinamizar a investigação clínica com dispositivos médicos”. Começou por afirmar que “a inovação é o combustível principal para o desenvolvimento na área dos dispositivos médicos”. Mais uma vez, destacou-se a necessidade de profissionais de saúde com conhecimento mais aprofundado. Cyril Martins enfatizou a tecnologia da monitorização remota, que permite o acompanhamento de doentes à distância minimizando a necessidade de comparecer a visitas hospitalares presenciais. O orador acredita que isto trará várias vantagens para a investigação clínica, logo no desenvolvimento do protocolo no que diz respeito às visitas de follow-up, traduzindo-se num maior acompanhamento dos participantes e maior aceitação da participação destes mesmos em estudos clínicos. Além disso, a monitorização remota permite um maior fluxo dos dados recolhidos e reduz o risco de viés. Finalmente, falou de machine learning, identificando benefícios no armazenamento de dados e na automatização da análise dos mesmos.

A última sessão decorreu no formato de mesa-redonda com o tema “Promover a competitividade da Investigação Clínica e Inovação Biomédica” moderada por João Almeida Lopes, da APIFARMA.

Além de João Almeida Lopes, a mesa contou com a presença de Rui Ivo, do INFARMED, Guy Villax, do HCP, e Nuno Sousa, da AICIB. Nesta sessão, foram discutidas quais as ferramentas necessárias para que os centros de investigação sejam mais competitivos. Nuno Sousa mencionou que, com o novo regulamento, existe igualdade entre os países no que diz respeito ao início dos ensaios, o que confere uma responsabilidade adicional aos centros. Guy Villax, referiu que o importante não é apenas o número de ensaios realizados em Portugal, mas sim o número de doentes incluídos em cada ensaio. Acrescentou ainda que Portugal possui um ensino de excelência que permite a realização de investigação de qualidade, mas que há muito trabalho a ser feito pelos empregadores. Mencionou também que a entrada em vigor do novo regulamento traz uma maior competitividade e que é necessário haver liderança pautada nos centros. Os centros devem fazer uma seleção de acordo com as suas forças, as suas valências e diferenciações.

Para além das três sessões mencionados anteriormente, decorreram, em simultâneo, três workshops com os seguintes temas:

  • Workshop 1: Balanço do início da aplicação do regulamento de ensaios clínicos / CTIS
  • Workshop 2: Investigação Clínica nos cuidados de saúde primários
  • Workshop 3: Estratégias de financiamento para a Investigação Clínica e Inovação Biomédica

O evento finalizou-se com o lançamento dos prémios AICIB 2023 e com a sessão de encerramento.

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